A estrada foi longa. Travessias, encruzilhadas, trincheiras, poeira, cansaço... A viagem pel’Os Sertões era feita “nos raros intervalos de folga” de vidas corridas que se dispunham a se encontrar pela casa do velho bruxo sempre depois das horas das ave marias uma vez por mês. Altas vertigens, altas viajadas. Afinal a leitura de uma obra como a de Euclides não é fácil, é uma guerra. É uma obra difícil: vocabulário incomum, assuntos áridos, temas científicos, necessitando-se do dicionário e de bibliografia paralela. A cada leitura de Os Sertões, descobrimos coisas novas, que passaram despercebidas na análise anterior.
N'Os Sertões, Euclides se mostra como cientista e artista; o cientista é o engenheiro, o bacharel em matemática, ciências físicas e naturais; o artista é o poeta, o sonhador, o estudioso sensível, "que se lançou à Escola da Praia-Vermelha". Como cientista, ele nos informa com a precisão de um sábio versátil; como artista, ele nos convence e nos encantam com suas palavras transformadas em cores, formas, movimentos, sentimentos...
Atravessamos a Terra, onde Euclides como um diretor de teatro, verificando o grande palco, para apresentar sua peça brasileira. O palco é o sertão da Bahia. Localiza-o e preocupa-se com todos os detalhes do cenário, em constante mutação, com córregos e rios que secam ou transbordam; com tempestades que se formam em paraíso, dando lugar à flora tropical... Analisa todos os detalhes antes de fazer entrar em cena muitos personagens diferentes, e os soldados das quatro expedições para se iniciar a luta.
Chegamos ao Homem. Ou trans-homem. Louco de Deus. Paranóico. Fantástico. Assombroso. Monstruoso. Chegamos ao homem que saiu dos sertões de Quixeramobim para Os Sertões de Euclides e, conseqüentemente, para o mundo, embora Quixeramobim pareça estar numa fuga constante deste filho que talvez seja pródigo. Mas o homem como um todo, como produto do meio em que vive. Na verdade encontramos n’O Homem os personagens entrando em cena: jagunços, sertanejos, o Conselheiro..., isolados há séculos no sertão, o que provocou sua estagnação cultural. Levados pelo texto adentramos Canudos, e com a multidão, participamos de suas tradições, danças, desafios, e da sua religião mestiça.
Euclides da Cunha estuda a gênese, a formação do brasileiro, resultante dos cruzamentos entre o indígena, o negro e o português. Desta mistura, por muitos motivos, não resulta um tipo étnico único para o Brasil: "(...) não temos unidade de raça".
Embebidos pela Terra e pelo Homem, chegamos à parte do desfecho. A luta. Os caminhos e montanhas que volteavam Canudos estavam fortificados. O Conselheiro reinava naquela comunidade, dormindo sobre tábuas, pregando, alimentando-se com farinha... Almoçamos em Canudos, ou melhor, jantamos. Sonho do louco Moreira César. Ali nos deleitamos, fugimos da pedra e da bala que corriam soltas. Foram quatro fogos. Assim como Canudos resistiu, resistimos também à árdua, mas muito prazerosa viagem literária d’Os Sertões. Então sentamos na casa do velho profeta no horário de costume pra fecharmos as páginas últimas daquela obra vasta, densa e pesada eclipsando o que havia de melhor na nossa alma de leitores desbravadores de Euclides. Éramos quatro, no final de uma viagem onde alguns ficaram nas veredas estreitas por motivos outros. Porém abriremos as portas para uma nova viagem, em outras estradas, outras vertigens. O convite está feito para depois do aniversário do bruxo. Conselheiro Vivo! Viva Conselheiro! Evoé!
João Paulo Barbosa - Licenciado em Letras pela UECE-FECLESC- Quixadá, professor de Inglês do Liceu de Quixeramobim e integrante da Ong. Iphanaq
Texto: João Paulo Barbosa
Fotos: Ailton Brasil e Sara Farias
Nenhum comentário:
Postar um comentário