Dando sequência ao estudo da obra “Os
Sertões” de Euclides da Cunha, o grupo de leitura “Sertões e Memórias”, se
reuniram no último dia 10 de outubro, na casa de Antonio Conselheiro e
avançaram na leitura “Da Luta”. Neste encontro foi estudada a travessia do
cambaio.
Durante essa operação de guerra as
forças militares novamente enviadas a lutar contra Canudos, montaram suas bases
em Monte Santo. Povoado considerado mais desenvolvido por aqueles sertões
naquela época, além de permitir uma comunicação mais rápida com o litoral, por
intermédio da estação ferroviária de Queimadas, cidade de maior porte na região
naquele período.
De fato, tal estratégia aliada a
outros fatores, como, única vila com fonte de água perene na região,
sublevações rochosas e caminhos que parecem esboço de um deserto, fez de Monte
Santo o quartel general dessa expedição organizada para arrasar Canudos, e seus
ditos fanáticos.
Todas as estratégias traçadas tornavam-se
limitadas diante das adversidades geográficas do sertão do norte baiano. Mesmo
com todas as dificuldades, os soldados muitas vezes, agonizavam pelo
desapontamento doloroso da região e ao mesmo tempo, tinham que avançar em busca
do triunfo glorioso, pois seria o reconhecimento nacional dizimar esse bando de
sertanejos.
Destruir esses rebeldes a ferro e
fogo, sempre foi o maior objetivo. Era preciso um grande exemplo e uma lição a
esses “criminosos retardatários”. Era preciso que saíssem da barbárie e
entrassem na civilização. O exemplo teria que ser dado, isso era convicção
geral da tropa.
Mesmo com tanto certeza da vitória,
de maneira geral, subestimaram a derrota dos ditos fanáticos. Segundo Euclides
da Cunha, “a certeza do perigo
estimula-as. A certeza da vitória deprime-as”. E foi nesse misto de perigo
e certeza do sucesso desse confronto sanguilonento e estarrecedor, que o
comando da operação ficou imobilizado quinze dias em Monte Santo. Escassez de
comida, condições precárias para o transporte de armas e munições, enfim, dificuldades
de se locomover por desconhecer a região, fez à medida que se aproximavam de
Canudos, tornassem mais desarmados e fragilizados. A derrota nestas condições
seria inevitável.
Para Euclides da Cunha “as forças dispersas em marcha, a partir da
base das operações deviam ir pouco a pouco, apertando os fanáticos, a
concentrar-se em Canudos. Fez-se sempre o contrário. Partiram unidos, em
colunas, dentro da estrutura maciça das brigadas. Avançaram embalados pelos
caminhos a fora. Iam dispersar-se repentinamente em Canudos”. Foi nessas
condições desfavoráveis que partiram a 12 de janeiro de 1897 de Monte Santo e
seguiram a estrada do Cambaio em direção a Canudos.
“A Serra do Cambaio é repleta de morros cuja estrutura se desvenda em pontiagudas
pedras e blocos em alinhamentos caprichosamente repartidos que mais parecem
grandes cidades mortas, onde o matuto passa medroso mesmo sendo de cavalo em
disparada, imaginando lá dentro uma população silenciosa e trágica de almas do
outro mundo”. Destacou
Euclides da Cunha.
É deste conjunto de serras, cheios de
medos e superstições, que se vêem perto da estrada de Jeremoabo, o caminho para
Bom Conselho. E foi por ali que a tropa enfiou-se em direção a Canudos.
Caminhavam vagarosamente sem aprumo, emperrados pelos canhões onde se revezavam
soldados em auxílio aos animais quase impotentes à tração em declives.
Foi nesta situação deplorável que o
inimigo atacou de surpresa. Apareceram os jagunços, e de repente dispararam
tiros. Toda a expedição caiu de ponta a ponta, debaixo das trincheiras do
Cambaio. A retirada tornou-se urgente e inevitável. As condições da tropa
naquela circunstância eram desfavoráveis. O recuo foi à salvação.
Mesmo assim, antes da retirada total
da tropa, fizeram um ataque visando destruir o arraial. Travaram um conflito em
Tabuleirinho, com tiroteios intensos alarmando todos os habitantes de Canudos.
Inclusive os mais valentes. Neste cerco, João Abade reuniu cerca de seiscentos
homens válidos que ainda tinham de resto, para lutar em defesa do Belo Monte.
Foi um conflito desolador. Os jagunços viam os companheiros caírem mortos
colhidos pelos tiros do inimigo disparados ininterruptamente.
Por alguns momentos, perdeu-se a
esperança de alguém sobreviver naquela batalha, bem como, o encanto por Conselheiro.
Ali estaria em breve acontecendo à derrota dos últimos defensores de Canudos.
Segundo Euclides, “o povo ingênuo perdeu,
em momentos, as crenças que o haviam empolgado”. Bandos de fugitivos saíram
do arraial atravessando repentinamente becos e a praça, demandando pela
caatinga. Enquanto as mulheres em gritos, clamando numa algazarra indefinível,
implorando à porta do Santuário a presença de Conselheiro, que subiu com meia
dúzia de fiéis para a parte alta da Igreja Nova, e depois retirou a escada.
Os fiéis agitados ficaram embaixo
chorando e rezando, sequer observou Conselheiro atravessando impaciente sobre
as tábuas do andar de cima. Neste momento sobreveio a notícia de que as tropas
recuava. Também estavam sem condições de prosseguir no combate. Para os
sertanejos, foi um milagre do Bom Jesus Conselheiro. Assim entendeu os fiéis
seguidores que ainda restavam. Como diz Euclides, “a desordem desfechava em prodígio”.
Após mais um embate violento,
começara de fato, a retirada do major Febrônio de Brito. Soldados famintos,
muitos feridos, estropiados mal carregavam as armas. E os jagunços ainda
existentes, ao perceberem o movimento da tropa o alcançaram liderado pela
ferocidade de Pajeú, destruindo soldados pelas caatingas.
A partir dessa ação dos jagunços, a
expedição perdera toda a estrutura militar. Oficiais e soldados, foram
destruídos pelo mesmo sacrifício. E os que escaparam dos ataques tiveram de
penetrar novamente pela travessia do cambaio, enfrentando encostas, abismos e
trincheiras em todo o percurso da retirada indesejada.
Ao chegarem após três horas de
marcha, a Bendegó de Baixo, foram as tropas beneficiadas pelo relevo desse
lugar. Pequenos planaltos que desemboca numa estrada permitindo possibilidades
de defesa.
Quando se achava que tinham acabado
as provações, um incidente providencial completou aquele momento. Assustado
talvez pelas balas dos jagunços e soldados que deixou um saldo de vinte mortos,
um rebanho de cabras invadiu o acampamento dos sertanejos famintos. Foi uma
diversão feliz. Homens exaustos correndo para pegar os velozes animais para
saciarem a fome após dois dias de jejum. Uma hora depois, agachados em torno
das fogueiras, comeram carnes apenas sapecadas. Mas era o que tinha.
A expedição derrotada prosseguiu para
Monte Santo. Não havia um homem válido. A chegarem ao vilarejo a população os
recebeu em silêncio.
Os jagunços, naquele mesmo dia, à
tarde, animaram-se de novo pelas encostas do cambaio. Lentamente caminhando em
direção a Canudos, extensa procissão surgia pelas serras. Os sertanejos
retornavam para o arraial, carregando aos ombros em jiraus de paus roliços
amarrados com cipós, os cadáveres dos mártires da fé.
O fúnebre cortejo seguia para
Canudos. Os sertanejos que resistiram os conflitos seguiram os caminhos de seus
mártires. Eles morreram em defesa do projeto liderado por Conselheiro, e os que
ficaram, continuavam com seus ideais, horas acesas, horas apagadas, vivendo a
cada instante, momentos de tanta incerteza. Era preciso buscar força e coragem
e alimentar a fé no que dizia Conselheiro, para enfrentar a próxima expedição
que tinham certeza que viria. E veio. Seria a terceira, comandada pelo afamado
“corta cabeça”, Coronel Moreira César. Até o próximo encontro de estudo de “Os
Sertões”.
Texto: Neto Camorim
Fotos: Edmilson Nascimento
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