“Artes para escrever histórias” foi o tema do Conselheiro Vivo 2015, evento realizado anualmente na cidade natal do Beato Antônio Conselheiro, pela ONG Iphanaq, em parceria como o SESC-Ler, Prefeitura e Câmara de Quixeramobim, Sistema Maior de Comunicação e outros apoiadores. Evento este para o qual a Cia. Teatral de Canudos se programa todo ano, desde cedo, para poder fazer parte da programação, enviando oficio solicitando o transporte à Prefeitura Municipal de Canudos, com intuito de diminuir as despesas para a equipe e demais artistas que se juntam à delegação para, na cidade anfitriã, contarem histórias por meio da arte. Tal escrita é, para nós, como as dores, chagas abertas do cotidiano, ao tentarem manter uma arte popular onde poucos valorizam ou querem o seu avanço. São marcas que deixam cicatrizes vivas na epiderme dos artistas, que desejam mexer com a memória do Conselheiro, a história de Canudos e a garra de um povo persistente, embora poucos percebam isso!
A escassez de apoio ou recursos tem sim desestimulado o referido grupo, mas não a ponto de fazer desistir, embora isso possa acontecer, pois todas as alternativas parecem se esgotar. Os editais, que deveriam descentralizar e facilitar o fomento à Cultura, são cada vez mais burocráticos e excludentes. As organizações dos eventos que convidam informam possuírem um orçamento pequeno. Entes federados, sejam eles os anfitriões ou o da sede do grupo, não dispõem, segundo eles, de recursos para o deslocamento, acomodação, alimentação e cachê ao grupo artístico, que se sufoca cada vez mais, sem estímulo, perecendo com um individuo perdendo o ar na ânsia da morte.
Caminhos e práticas – Esta angustia não está tão somente no elenco da Cia. Teatral de Canudos, mas de todos os artistas que residem nesta histórica cidade, Canudos, e que merecem do Governo uma reparação pela história, memória e cultura que são levadas daqui para o mundo. Que se façam editais, programas, projetos e iniciativas diferenciadas, e exclusivas, para estes que levam ou tentam levar Canudos para o resto do mundo.
Os “urubus” parem de vir a Canudos no intuito de fuçar a “carniça”, pois ultimamente é o que está acontecendo. Muitos aproveitadores vêm, usurpam da história, do conhecimento local, da memória, da cultura, produzem seus bens em todas as linguagens e novamente vão-se embora, sem retorno ou valorização para este povo, que contribuiu, muitas vezes de graça, quase sempre em troca de um mísero lanche. Basta!
Véspera da viagem à Quixeramobim, a Cia. Teatral de Canudos foi ao comércio local na tentativa de angariar dos lojistas uma ajuda para a alimentação da trupe, no trajeto entre as duas cidades. Mesmo com muitas dificuldades enfrentadas no comércio canudense, houve uma contribuição acompanhada de comentários, que muito lisonjeiam qualquer artista, referentes ao trabalho realizado, visto na comunidade com relevância, frente à ampla divulgação do município e da história que o mesmo imprime no cenário do Brasil.
Viagem: encontros e emoção – Dia 11 de março, às 03h, a Cia. Teatral de Canudos, junto com o Poeta José Américo Amorim e José Raimundo (Jhon Cat), iniciam o percurso inverso feito por Antônio Vicente Mendes Maciel. Após enfrentarem 10 horas de viagem, o Poeta Zé Américo lança o seu mais novo trabalho, “Estalo da Caatinga”, na presença de uma mesa e de um público repleto de canudenses e quixeramobienses, na sala da Casa do Conselheiro. Na oportunidade de falas, Jhon Cat antecedeu ao poeta, que emocionado exibiu um vídeo sobre a comunidade quilombola em Canudos.
Após o lançamento, secretários, vereador, intelectuais e autoridades local se pronunciaram falando da importância do evento e do intercâmbio das cidades onde nasceu e posteriormente morreu o seu filho mais ilustre. Segundo Dona Terezinha Oliveira, “o encontro Quixeramobim e Canudos já se incorporou ao Conselheiro Vivo”. Para a mesma, “a influência do místico Antônio Conselheiro tem oferecido aos sensíveis trabalhos destes artistas uma carga de emoção que cativa e apaixona aos espectadores”, acrescentando que “foi um grande prazer conhecer José Américo e todos de Canudos”.
Neste mesmo dia, pela manhã, aconteceu a Feira da Agricultura Familiar, onde também DJs de vinil comercializavam os “bolachões”, ao som de músicas discotecadas pelos artistas e também professores Antônio Carlos Lemos da Cruze João Paulo Barbosa. Enquanto isso, nas escolas da rede municipal e estadual, os alunos produziam textos explorando a temática “Memórias de Antônio Conselheiro”, auxiliados por João Pedro do Juazeiro, xilogravurista e poeta, e o cordelista Arievaldo Viana. Houve também a sessão solene da Câmara Municipal, com a entrega da Comenda Antônio Conselheiro.
Do rádio para o mundo – Às 13 horas, como acontece todos os anos, em todos os dias do Conselheiro Vivo, a Canudos FM realizou o especial “Conselheiro no Rádio”, com entrevistas, bate-papos e informações, com os diversos convidados e participantes do evento, apresentado por Neto Camorim, que realiza produção com Elistênio Alves. Entre eles, estive, como Diretor da Cia. Teatral de Canudos, juntamente com José Raimundo (Jhon Cat) e o Poeta Zé Américo. “A Companhia Teatral de Canudos está aqui mais uma vez, e espero que isso se repita muitas vezes, sua presença na programação do Conselheiro Vivo, nas próximas edições, como tem acontecido nos últimos três anos.
A presença do grupo de teatro, e dos demais canudenses no evento, só contribui para a integração que precisa aumentar mais ainda entre Quixeramobim e Canudos, pelo elo e mística de Antônio Conselheiro. Como diz o poeta Zé Américo, a nossa luta em aproximar essas duas cidades é sempre uma trincheira a se enfrentar, em prol desse intercâmbio. Quero agradecer pelas nossa presença no Conselheiro Vivo. Vamos nos preparar para mais lutas, pois novas trincheiras virão na busca de uma maior integração entre essas duas cidades irmanadas pelo Conselheiro”. Foi o que afirmei aos ouvintes, durante o programa, considerando importante marcar tal fala nessa escrita.
Nos dias 12 e 13 aconteceram diversas atividades, nos mais variados locais, com a delegação de Canudos se dividindo entre escolas, comunidades rurais e outros locais, sempre bem recebidos, acolhidos, aplaudidos e expostos às mais curiosas indagações, acompanhados do pedagogo e eletricista Edimilson Nascimento e do Aílton, homem que não é a Bahia, nem do Ceara, mas é o Brasil que, segundo ele, cabe dentro do Quixeramobim. Aílton Brasil, presidente do Iphanaq, militante cultural e educador social, fez, com a Cia Teatral de Canudos, o motorista Djalma, o escritor João Bosco e esposa deste, o percurso para a localidade do Tigre, comunidade onde Antônio Conselheiro atuou como professor, entre a partida de Quixeramobim e a chegada a Canudos.
Desconvite? - Cabe um parêntese antes da conclusão deste texto. Uma inquietação sobre a Comenda Antônio Conselheiro deste ano. Quero frisar antes que não se trata de desacordo ou insatisfação com os homenageados: Professora Fátima Alexandre, o escritor João Bosco Fernandes e o ex- Secretario de Cultura do Estado do Ceará, Paulo Mamede. Pelo contrário, devem ser merecedores segundo os critérios de escolha, adotados pela Câmara Municipal. Assim espero. Caso contrário, serria uma banalização com a história e a memória desse grande líder. Devem ser pessoas que estudam e promovem a história de vida de Antônio Conselheiro.
Não posso falar sobre a trajetória de pesquisa dos homenageados, pois para mim são desconhecidas. Mas do poeta José Américo, temos argumentos e passaríamos um tempo exaustivo justificando o seu merecimento em receber tal homenagem. O que não aconteceu, embora, para os baianos presentes, estivesse certo e programado este momento solene a um dos filhos de Canudos. Foi constrangedor a desagradável surpresa para os que estiveram com o poeta, saber que o mesmo não foi homenageado.
Tendo em vista a previsão deste acontecimento, o mesmo enviou uma série de informações antecipadas, o que não ocorreu com a Instituição parlamentar, sem informar ao mesmo que ele não mais seria homenageado. Houve falha na comunicação da Câmara Municipal de Quixeramobim, sem falar no desrespeito, por não dar ao mesmo uma justificativa. Não queremos acreditar numa “gentileza” política, até porque isso desonraria o merecimento a quem fosse receber a Comenda.
Algumas indagações não obtiveram respostas e nem entenderemos se não as tivermos. Por que suspenderam a homenagem ao poeta? Por que não avisaram justificando a suspensão? Quando soubemos, através do Iphanaq, era quase véspera da viagem. Que motivo desacorda os critérios impossibilitando o poeta de não receber a Comenda, percebido pela Câmara Municipal? A informação que recebemos foi que a Câmara Municipal, através de seu presidente, Everardo Júnior, sabia da escolha do poeta Zé Américo desde reunião, em fevereiro, com a Secretaria Municipal de Educação.
Triste para quem conhece as obras, a performance e a dedicação do Zé Américo, o cuidado, respeito e amor para com a memória do seu “padim” Conselheiro, como ele mesmo costuma dizer. Enfim, foi lamentável, triste e decepcionante.
Proposta de ação - Na ultima noite, o encerramento foi na casa onde nasceu Antônio Conselheiro, com a derradeira Mesa Redonda, ministrada pelo Prof. Dr. Paulo Emílio Matos Martins (UFF), concluindo as comemorações, onde lançou a ideia de funcionamento do Centro de Artes e Memórias do Belo Monte. Lamentamos que o prefeito da cidade, que tinha dito que estaria presente, não tenha comparecido.
Logo após, em frente à Casa de Conselheiro, ocorreram as apresentações teatrais realizadas por um grupo local, do bairro da Maravilha, e a Cia. Teatral de Canudos, com o espetáculo “Melelego”, tendo no elenco: Marcos Freitas, Adrielly Boaventura, Hudson Macedo, Edvânia Guimarães, Nigle Macedo, Viterbo Tosta, Àdhila Boaventura, Roberta Macedo, Luana Soares e Darlene Régis, com participações especiais de Jhon Cat, Israel Santana, de Euclides da Cunha, dos dançarinos Francisco Célio (Céu) e Antonius Jerfeson, do Grupo de dança Pieds Battant (pés voadores), Cia. Lamparim, com atores Francisco Elzo, Talys Antonio, Hércules Gomes e Jonh Wellington, Diretor da Cia (fundada em 2012, tendo em seu repertório os espetáculos: Contos de Farsas e Antônio Conselheiro, quem és tu? Além de oferecerem diversas oficinas, entre elas a de reciclagem, com fabricação de bonecos, animações com palhaços e o projeto fantolixos – fantoches feitos de lixo), participando ainda o professor e poeta, anfitrião João Paulo Barbosa, e o poeta canudense Zé Américo.
Assim, resta o agradecimento a todos, às prefeituras de ambas as cidades, aos comerciantes canudenses, à Universidade Aberta do Brasil (UAB), sede de Quixeramobim, a todos os funcionários desta instituição, aos docentes e discentes das escolas Damião Carneiro, Liceu de Quixeramobim, Escola Profissional José Alves da Silveira, dentre outras. À ONG Iphanaq, na pessoa do seu presidente Aílton Brasil, ao Sistema Maior de Comunicação, aos funcionários da Casa Antônio Conselheiro, aos artistas, amigos e a todos que contribuíram, direta e indiretamente, para o sucesso e a participação dos canudenses no Conselheiro Vivo 2015. De forma particular, agradeço a todas as mães e responsáveis pela confiança ao permitirem que seus filhos viajassem conosco.
Esperamos que, na Romaria de Canudos, este mesmo entusiasmo aconteça, fortalecendo os vínculos entre cearenses e baianos. Mas para isso é preciso que as gestões municipais e instituições de poder, como as Câmaras, assumam participações diretas nos eventos, como programações mais importantes relacionados a Conselheiro. Nesse sentido, a Cia. Teatral de Canudos está preparando um documento objetivando que os mesmos entrem em acordo garantindo participação com suas delegações, tanto na Romaria como no Conselheiro Vivo, evitando o desgaste dos artistas estarem na prefeitura, casa de prefeito, de secretários… A garantia oficial passaria a ser então um compromisso das duas cidades, independente de gestor A ou B.
Postado por: Carlos Carneiro – Ator e Diretor da Companhia Teatral de Canudos-Bahia
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